
A casa de Roger era um dos muitos apartamentos do conjunto do condomínio Freitas de Andrade. Todo conjunto estava organizado em blocos, que recebiam uma letra do alfabeto como identificação; E era exatamente no bloco C apartamento 304 que Roger morava.
─ Eu não conhecia esse lado da cidade. – comentou Caio quase que instantaneamente ao momento que parava o carro em frente ao bloco C.
─ É, pra você ver como fica longe do centro. – sorriu ─ Mas até que é uma boa área. É claro que não tem todas as opções do centro, mas as coisas que têm por aqui bastam pro povo, quero dizer, pelo menos bastam para mim.
Caio estudou a estrutura de concreto de dois andares pintada de azul com um C em cinza, quase apagado, mais ou menos perto da entrada do bloco e foi impossível não comparar a sua mansão no centro da cidade e por um momento isso o fez se sentir mal. Por incrível que lhe parecesse aquela simplicidade, aquele ar do gueto do bairro Maria Estela Junqueira era para ele mais atraente e agradável que sua mansão na rua Rodolfo Schiffer, número 109. Ou até mesmo que as outras propriedades da família do governador Ricardo Jordão, o que incluía dois apartamentos avaliados em catorze milhões de reais. E naquele momento, Caio percebeu que todo aquele luxo a que estava acostumado e sem o qual se sentiria morto, não fazia mais sentido, tudo que antes lhe parecia condições básicas para sua sobrevivência não passava agora de simples caprichos de um sujeito mimado e orgulhoso... E então toda a sua vida não passou a ter muito sentido, quando ele se percebeu um sujeito controlado pelo pai... Um político ocupado demais para lhe dar um bom conselho, mas com o tempo suficiente para arrasá-lo em críticas quando algo em suas negociações governamentais não saía bem ou quando julgava Caio incapaz de caminhar com as próprias pernas.
─ Ei, Caio, o que foi? – perguntou Roger ─ Você está tremendo, está pálido.
Caio não conseguia mais raciocinar direito, eram muitas lembranças em sua mente. Elas surgiam num grau intenso e numa velocidade difícil de controlar, eram lembranças soltas e variadas, que iam desde a primeira surra que levou do pai por ter tirado uma nota baixa no boletim à primeira vez com alguém do mesmo sexo, o professor do curso de música, cinco anos atrás.
─ Eu estou meio tonto. – foi o que ele conseguiu dizer em meio aquele turbilhão de lembranças.
─ Calma, eu ajudo você.
Roger abriu a porta do carro, saiu e o contornou pela frente, abrindo em seguida a porta do motorista. Depois soltou o cinto de segurança de Caio e falou:
─ Vamos lá, faça um esforço para levantar, ok?
Caio apenas assentiu.
─ Certo. – falou Roger ─ Agora vamos lá, cara. – e segurou o braço esquerdo de Caio para ajudá-lo a sair do carro e ficar em pé ─ Isso, brother.
Caio levou a mão à cabeça e sentiu a visão turvada. Já estava completamente de pé quando Roger fechou a porta do carro e acionou o alarme com a chave, ajudando-o pacientemente, em seguida, a dar os primeiros passos em direção a entrada do bloco C.
Já entravam no apartamento quando Caio sentiu os joelhos dobrarem e curvou-se para frente.
─ Mas um pouco, amigão. – falou Roger ─ Aguenta mais um pouco.
Em seguida Roger ajudou Caio a sentar-se no sofá e correu até o quarto para colocar o ventilador ligado a frente do amigo. Depois correu até a cozinha e trouxe um copo com água.
─ Toma, cara. Bebe um pouco de água e procure ficar calmo, respira fundo também que você vai melhorar, valeu?
Caio assentiu novamente.
Os minutos seguintes que transcorreram o repouso, fizeram com que Caio se sentisse melhor, já havia recuperado a cor e o tremor já havia passado. Quando se deu conta da situação que havia passado, ele sentiu vergonha. Olhou para um lado e para o outro na tentativa de encontrar Roger por perto, mas ele não estava por ali. Caio, então, levantou-se com cuidado e caminhou em direção à cozinha. Roger estava com a porta da geladeira aberta a sua frente e pegava alguns frios para preparar o jantar. Assim que viu Caio parado à porta da cozinha, Roger sorriu para ele e disse:
─ Que bom que já está melhor, cara. Senta aí, vou preparar alguma coisa pra gente. Gosta de mini-empanados de frango?
Caio ainda estava muito confuso com toda aquela situação. Nunca ninguém havia sido legal e solidário o bastante em sua vida quanto Roger estava sendo. E tudo aquilo era estranho demais, tão estranho quanto aquele jovem de vinte e cinco anos a sua frente. Afinal o que sabia dele, além do nome, da profissão e de seu esporte predileto? Nada! Mas será que isso realmente importaria agora? Caio preferiu não pensar mais sobre isso.
─ Gosto - respondeu e sentou-se à mesa em seguida.
─ Legal. Mas vamos ter que ir de macarrão instantâneo, hein. – Roger soltou uma risada. ─ Porque o arroz que fiz ontem acabou estragando e o feijão eu me esqueci de temperar.
Caio riu e não hesitou em comentar, admirado:
─ Caraca! Que legal isso de você mesmo preparar a sua comida.
Roger esquentava o óleo na frigideira quando falou:
─ É, mas não é sempre, tem horas que bate aquela preguiça e eu acabo comendo alguma coisa na rua ou mando trazer em casa.
─ Mas se bem que cozinhar não dever ser tão difícil pra você, né?
─ Por que acha isso? - ele perguntou enquanto colocava água na panela.
─ Ah, sei lá. Pra quem já prepara drinque, preparar comida não deve ter muito mistério.
─ Ei! Lógico que tem mistério. – sorriu ─ Um deles, por exemplo, é como conseguir encontrar a boca certa do fogão para acendê-lo. – disse isso passeando pelas bocas do fogão com um fósforo aceso.
Caio riu muito com a situação.
─ Ah! Achei! – disse Roger, sorrindo em seguida.
─ Cara, você é muito engraçado.
─ É, fica rindo aí, quero ver se você consegue controlar essa máquina aqui. Toma aí. – e jogou a caixa de fósforos sobre a mesa.
Caio espantou-se.
─ Eu?
─ É, brother! – Roger sorriu com um ar de vingança.
─ Ei, você não está falando sério, não né? – perguntou Caio, vendo naquela situação de preparar algo no fogão com o mesmo peso do fim do mundo.
─ Claro que estou. Vamos lá, amigão! – encorajou-o ─ Quero ver como é que você se sai.
Caio começou a rir de nervoso.
─ Não, não, isso é palhaçada.
─ Até os palhaços tem seus momentos de seriedade, Caio. Vamos lá, cara. – sorriu.
Caio olhou para a caixa de fósforos como se ela fosse uma bomba prestes a explodir.
─ Isso tudo é medo de acender um fogão? – Roger perguntou, com um sorriso de deboche indisfarçável.
─ Claro que não!
─ Então vamos ver, amigo. Olha! A água do meu macarrão já está fervendo e você nem começou a preparar o seu. – e Roger despejou o macarrão na panela.
Caio levantou-se como se fosse um soldado em alerta.
─ Ok. Vamos ver se isso é tão difícil quanto parece.
─ Vamos lá. – e Roger apontou para o fogão, afastando-se em seguida.
Caio aproximou-se do fogão e, antes de riscar o fósforo, disse a Roger:
─ Vou acertar na primeira.
Roger não controlou o riso.
─ Ei! Vai com calma. – aconselhou Roger ─ Nem todos os principiantes tem sorte, hein.
─ Ah, qual é! Acender uma boca de fogão não é questão de sorte.
─ Então está bem. Se acertar na primeira, eu preparo a comida, agora se você errar...
─ Feito! – Caio disse antes que Roger pudesse terminar sua fala.
Os momentos de tensão frente aquele fogão parecia a Caio piores que os três dias do vestibular pelo qual passara há três anos. Ele riscou o fósforo, escolheu uma boca para acender e girou. Hesitou um pouco e passou o fósforo aceso sobre uma das quatro bocas restantes e sua frustração foi tamanha ao ver que ela não acendera.
Roger teve uma crise de riso.
─ Putz! Eu não acredito nisso! – disse Caio, não tolerando seu próprio fracasso.
─ É, amigo. Considere isso como um começo apenas e sinta-se à vontade para treinar bastante enquanto eu vou tomar um banho. Boa sorte na próxima vez. – e Roger deu dois tapas de consolação nas costas de Caio, antes de deixar a cozinha.
Quase sete minutos depois, Roger saía do banho com uma toalha envolta na cintura e vê-lo se deslocar pela casa naqueles trajes de certa forma despertou um interesse maior em Caio, o que possibilitou o início de uma ereção. Mas aquilo não podia acontecer, não era certo ou pelo menos não podia ser. Roger estava sendo um cara legal e aquela amizade que começava era importante demais para que Caio a perdesse por um desejo que às vezes gostaria de ser capaz de mudar...
─ Cara, tive que tomar um banho de gato. – disse Roger ─ A água está muito gelada.
─ É que a temperatura está caindo cada vez mais, essa semana o frio vai ser rigoroso. – disse isso, sentado à mesa com o prato pela metade a sua frente.
─ Tomara mesmo. Eu adoro o frio, fico mais disposto, trabalho mais animado, tudo fica mais fácil.
─ Eu já prefiro o verão, dá praia, sol, galera animada na cidade. Agora inverno você tem que ficar todo encasacado, usar luvas, gorro... Caraca! Não tem nada pior. Sem falar que às vezes nem dá pra sair.
─ Em partes, mas se bem que ficar em casa debaixo do edredom, com uma companhia agradável, curtindo um filme com pipoca e chocolate quente é muito bom. –disse isso enquanto se aproximava do fogão para conferir o preparo do seu macarrão instantâneo ─ Ah, você já desligou o fogão.
─ É. Você largou tudo aí e foi tomar banho, seu macarrão já deve estar gelado. Só espero que também não esteja seco.
─ Não, ainda tem um pouco do caldo, dá pra colocar o tempero, sem problema algum.
─ Põe um pouco mais de água e deixa esquentar um pouco.
─ Olha só o cozinheiro chefe. – sorriu
─ Que nada, mas com esse tempo comer algo gelado não tem nem graça.
─ Não, não precisa não, ainda está um pouco morno, dá pra comer. Mas e os empanados de frango?
─ Estão num prato dentro do forno.
Roger curvou-se para pegar os empanados e por pouco, o movimento que fez não o deixou pelado na frente de Caio, que já sentia o volume dentro de sua calça.
─ É, foi por pouco, mas ainda bem que não ficaram queimados. – riu.
─ É, eles deram um certo trabalho. – disse, tentando não olhar para Roger.
Roger abriu o saquinho com o tempero e despejou na panela, misturando o macarrão em seguida.
─ Pronto.
Roger arrumou a comida em um prato, pegou uma jarra de suco na geladeira e colocou em um copo para Caio.
─ Está a seco, ai. – disse Roger. ─ Assim é mais difícil descer. – sorriu sarcasticamente.
─ Valeu. Mas eu já estou terminando.
─ Não faz mal, isso vai te ajudar a relaxar.
Ele pôs o prato na mesa, serviu-se de um copo de suco também e no exato momento que ocupou um lugar à mesa, o telefone começou a tocar.
─ Putz! Justo agora. Ah, que se dane, não vou atender.
Caio o fitava de soslaio. Estava cada vez mais difícil ficar perto de Roger, tinha que sair dali, antes que tudo terminasse como não gostaria e sabia que aquele momento era o ideal para deixar a casa dele.
─ Atende lá. – disse Caio ─ Pode ser alguma coisa importante.
Roger o fitou, pensativo.
─ Está certo.
E então, quando Roger deixou a cozinha, Caio foi embora, deixando para trás os fantasmas que tanto temia.
Juro que estou começando a odiar o Caio por sair escondido!!!Aff.
ResponderExcluirAahuahuauhauhuaua. Caio é cabeça dura, mas ele vai se tocar de que Roger é o amor da vida dele.
ResponderExcluirAinda bem que esse amor vai ser consumado! To loka pra ler isso
ResponderExcluir