segunda-feira, 12 de julho de 2010

Parte 6

A casa de Roger era um dos muitos apartamentos do conjunto do condomínio Freitas de Andrade. Todo conjunto estava organizado em blocos, que recebiam uma letra do alfabeto como identificação; E era exatamente no bloco C apartamento 304 que Roger morava.

Eu não conhecia esse lado da cidade. – comentou Caio quase que instantaneamente ao momento que parava o carro em frente ao bloco C.

É, pra você ver como fica longe do centro. – sorriu Mas até que é uma boa área. É claro que não tem todas as opções do centro, mas as coisas que têm por aqui bastam pro povo, quero dizer, pelo menos bastam para mim.

Caio estudou a estrutura de concreto de dois andares pintada de azul com um C em cinza, quase apagado, mais ou menos perto da entrada do bloco e foi impossível não comparar a sua mansão no centro da cidade e por um momento isso o fez se sentir mal. Por incrível que lhe parecesse aquela simplicidade, aquele ar do gueto do bairro Maria Estela Junqueira era para ele mais atraente e agradável que sua mansão na rua Rodolfo Schiffer, número 109. Ou até mesmo que as outras propriedades da família do governador Ricardo Jordão, o que incluía dois apartamentos avaliados em catorze milhões de reais. E naquele momento, Caio percebeu que todo aquele luxo a que estava acostumado e sem o qual se sentiria morto, não fazia mais sentido, tudo que antes lhe parecia condições básicas para sua sobrevivência não passava agora de simples caprichos de um sujeito mimado e orgulhoso... E então toda a sua vida não passou a ter muito sentido, quando ele se percebeu um sujeito controlado pelo pai... Um político ocupado demais para lhe dar um bom conselho, mas com o tempo suficiente para arrasá-lo em críticas quando algo em suas negociações governamentais não saía bem ou quando julgava Caio incapaz de caminhar com as próprias pernas.

Ei, Caio, o que foi? perguntou Roger Você está tremendo, está pálido.

Caio não conseguia mais raciocinar direito, eram muitas lembranças em sua mente. Elas surgiam num grau intenso e numa velocidade difícil de controlar, eram lembranças soltas e variadas, que iam desde a primeira surra que levou do pai por ter tirado uma nota baixa no boletim à primeira vez com alguém do mesmo sexo, o professor do curso de música, cinco anos atrás.

Eu estou meio tonto. – foi o que ele conseguiu dizer em meio aquele turbilhão de lembranças.

Calma, eu ajudo você.

Roger abriu a porta do carro, saiu e o contornou pela frente, abrindo em seguida a porta do motorista. Depois soltou o cinto de segurança de Caio e falou:

Vamos lá, faça um esforço para levantar, ok?

Caio apenas assentiu.

Certo. – falou Roger Agora vamos lá, cara. – e segurou o braço esquerdo de Caio para ajudá-lo a sair do carro e ficar em pé Isso, brother.

Caio levou a mão à cabeça e sentiu a visão turvada. Já estava completamente de pé quando Roger fechou a porta do carro e acionou o alarme com a chave, ajudando-o pacientemente, em seguida, a dar os primeiros passos em direção a entrada do bloco C.

Já entravam no apartamento quando Caio sentiu os joelhos dobrarem e curvou-se para frente.

Mas um pouco, amigão. – falou Roger Aguenta mais um pouco.

Em seguida Roger ajudou Caio a sentar-se no sofá e correu até o quarto para colocar o ventilador ligado a frente do amigo. Depois correu até a cozinha e trouxe um copo com água.

Toma, cara. Bebe um pouco de água e procure ficar calmo, respira fundo também que você vai melhorar, valeu?

Caio assentiu novamente.

Os minutos seguintes que transcorreram o repouso, fizeram com que Caio se sentisse melhor, já havia recuperado a cor e o tremor já havia passado. Quando se deu conta da situação que havia passado, ele sentiu vergonha. Olhou para um lado e para o outro na tentativa de encontrar Roger por perto, mas ele não estava por ali. Caio, então, levantou-se com cuidado e caminhou em direção à cozinha. Roger estava com a porta da geladeira aberta a sua frente e pegava alguns frios para preparar o jantar. Assim que viu Caio parado à porta da cozinha, Roger sorriu para ele e disse:

Que bom que já está melhor, cara. Senta aí, vou preparar alguma coisa pra gente. Gosta de mini-empanados de frango?

Caio ainda estava muito confuso com toda aquela situação. Nunca ninguém havia sido legal e solidário o bastante em sua vida quanto Roger estava sendo. E tudo aquilo era estranho demais, tão estranho quanto aquele jovem de vinte e cinco anos a sua frente. Afinal o que sabia dele, além do nome, da profissão e de seu esporte predileto? Nada! Mas será que isso realmente importaria agora? Caio preferiu não pensar mais sobre isso.

Gosto - respondeu e sentou-se à mesa em seguida.

Legal. Mas vamos ter que ir de macarrão instantâneo, hein. – Roger soltou uma risada. Porque o arroz que fiz ontem acabou estragando e o feijão eu me esqueci de temperar.

Caio riu e não hesitou em comentar, admirado:

Caraca! Que legal isso de você mesmo preparar a sua comida.

Roger esquentava o óleo na frigideira quando falou:

É, mas não é sempre, tem horas que bate aquela preguiça e eu acabo comendo alguma coisa na rua ou mando trazer em casa.

Mas se bem que cozinhar não dever ser tão difícil pra você, né?

Por que acha isso? - ele perguntou enquanto colocava água na panela.

Ah, sei lá. Pra quem já prepara drinque, preparar comida não deve ter muito mistério.

Ei! Lógico que tem mistério. – sorriu Um deles, por exemplo, é como conseguir encontrar a boca certa do fogão para acendê-lo. – disse isso passeando pelas bocas do fogão com um fósforo aceso.

Caio riu muito com a situação.

Ah! Achei! disse Roger, sorrindo em seguida.

Cara, você é muito engraçado.

É, fica rindo aí, quero ver se você consegue controlar essa máquina aqui. Toma aí. – e jogou a caixa de fósforos sobre a mesa.

Caio espantou-se.

Eu?

É, brother! – Roger sorriu com um ar de vingança.

Ei, você não está falando sério, não né? – perguntou Caio, vendo naquela situação de preparar algo no fogão com o mesmo peso do fim do mundo.

Claro que estou. Vamos lá, amigão! – encorajou-o Quero ver como é que você se sai.

Caio começou a rir de nervoso.

Não, não, isso é palhaçada.

Até os palhaços tem seus momentos de seriedade, Caio. Vamos lá, cara. – sorriu.

Caio olhou para a caixa de fósforos como se ela fosse uma bomba prestes a explodir.

Isso tudo é medo de acender um fogão? – Roger perguntou, com um sorriso de deboche indisfarçável.

Claro que não!

Então vamos ver, amigo. Olha! A água do meu macarrão já está fervendo e você nem começou a preparar o seu. – e Roger despejou o macarrão na panela.

Caio levantou-se como se fosse um soldado em alerta.

Ok. Vamos ver se isso é tão difícil quanto parece.

Vamos lá. – e Roger apontou para o fogão, afastando-se em seguida.

Caio aproximou-se do fogão e, antes de riscar o fósforo, disse a Roger:

Vou acertar na primeira.

Roger não controlou o riso.

Ei! Vai com calma. aconselhou Roger Nem todos os principiantes tem sorte, hein.

Ah, qual é! Acender uma boca de fogão não é questão de sorte.

Então está bem. Se acertar na primeira, eu preparo a comida, agora se você errar...

Feito! Caio disse antes que Roger pudesse terminar sua fala.

Os momentos de tensão frente aquele fogão parecia a Caio piores que os três dias do vestibular pelo qual passara há três anos. Ele riscou o fósforo, escolheu uma boca para acender e girou. Hesitou um pouco e passou o fósforo aceso sobre uma das quatro bocas restantes e sua frustração foi tamanha ao ver que ela não acendera.

Roger teve uma crise de riso.

Putz! Eu não acredito nisso! – disse Caio, não tolerando seu próprio fracasso.

É, amigo. Considere isso como um começo apenas e sinta-se à vontade para treinar bastante enquanto eu vou tomar um banho. Boa sorte na próxima vez. – e Roger deu dois tapas de consolação nas costas de Caio, antes de deixar a cozinha.

Quase sete minutos depois, Roger saía do banho com uma toalha envolta na cintura e vê-lo se deslocar pela casa naqueles trajes de certa forma despertou um interesse maior em Caio, o que possibilitou o início de uma ereção. Mas aquilo não podia acontecer, não era certo ou pelo menos não podia ser. Roger estava sendo um cara legal e aquela amizade que começava era importante demais para que Caio a perdesse por um desejo que às vezes gostaria de ser capaz de mudar...

Cara, tive que tomar um banho de gato. disse Roger A água está muito gelada.

É que a temperatura está caindo cada vez mais, essa semana o frio vai ser rigoroso. – disse isso, sentado à mesa com o prato pela metade a sua frente.

Tomara mesmo. Eu adoro o frio, fico mais disposto, trabalho mais animado, tudo fica mais fácil.

Eu já prefiro o verão, dá praia, sol, galera animada na cidade. Agora inverno você tem que ficar todo encasacado, usar luvas, gorro... Caraca! Não tem nada pior. Sem falar que às vezes nem dá pra sair.

Em partes, mas se bem que ficar em casa debaixo do edredom, com uma companhia agradável, curtindo um filme com pipoca e chocolate quente é muito bom. disse isso enquanto se aproximava do fogão para conferir o preparo do seu macarrão instantâneo Ah, você já desligou o fogão.

É. Você largou tudo aí e foi tomar banho, seu macarrão já deve estar gelado. Só espero que também não esteja seco.

Não, ainda tem um pouco do caldo, dá pra colocar o tempero, sem problema algum.

Põe um pouco mais de água e deixa esquentar um pouco.

Olha só o cozinheiro chefe. sorriu

Que nada, mas com esse tempo comer algo gelado não tem nem graça.

Não, não precisa não, ainda está um pouco morno, dá pra comer. Mas e os empanados de frango?

Estão num prato dentro do forno.

Roger curvou-se para pegar os empanados e por pouco, o movimento que fez não o deixou pelado na frente de Caio, que já sentia o volume dentro de sua calça.

É, foi por pouco, mas ainda bem que não ficaram queimados. – riu.

É, eles deram um certo trabalho. – disse, tentando não olhar para Roger.

Roger abriu o saquinho com o tempero e despejou na panela, misturando o macarrão em seguida.

Pronto.

Roger arrumou a comida em um prato, pegou uma jarra de suco na geladeira e colocou em um copo para Caio.

Está a seco, ai. disse Roger. Assim é mais difícil descer. sorriu sarcasticamente.

Valeu. Mas eu já estou terminando.

Não faz mal, isso vai te ajudar a relaxar.

Ele pôs o prato na mesa, serviu-se de um copo de suco também e no exato momento que ocupou um lugar à mesa, o telefone começou a tocar.

Putz! Justo agora. Ah, que se dane, não vou atender.

Caio o fitava de soslaio. Estava cada vez mais difícil ficar perto de Roger, tinha que sair dali, antes que tudo terminasse como não gostaria e sabia que aquele momento era o ideal para deixar a casa dele.

Atende lá. disse Caio Pode ser alguma coisa importante.

Roger o fitou, pensativo.

Está certo.

E então, quando Roger deixou a cozinha, Caio foi embora, deixando para trás os fantasmas que tanto temia.


3 comentários:

  1. Juro que estou começando a odiar o Caio por sair escondido!!!Aff.

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  2. Aahuahuauhauhuaua. Caio é cabeça dura, mas ele vai se tocar de que Roger é o amor da vida dele.

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  3. Ainda bem que esse amor vai ser consumado! To loka pra ler isso

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