quinta-feira, 8 de julho de 2010

Parte 2

Filho... Acorde, filho.

Hum... – Caio mexeu-se um pouco sobre a cama e com um pouco de esforço abriu os olhos, deparando-se com Denise a poucos centímetros de sua cama.

A senhora morena de quarenta e cinco anos, olhos pretos e cabelos pretos e cacheados estava parada à frente da janela do quarto do filho e já ficava impaciente com a demora dele em atendê-la.

Vamos, filho, levante! ela disse isso abrindo a janela do quarto do filho para fazer o ar circular Com essa moleza toda você vai acabar chegando atrasado no colégio.

É faculdade, mãe. – ele a corrigiu com certa irritação.

Que seja! Agora levante de uma vez, deixe de preguiça vai.

Ah, mãe... – ele resmungou com profunda tristeza A senhora esqueceu que as minhas aulas serão no turno da noite durante as três primeiras semanas desse semestre?

Denise levou a mão à testa ao se lembrar.

Ai, meu filho, desculpa a mamãe. Eu e essa minha cabeça de vento! Por favor, me desculpe. Eu esqueci de verdade.

Tudo bem, mãe. – ele ainda estava bastante sonolento Acho que já estava na hora de levantar mesmo. – Caio sentou-se na cama Que horas são agora?

Uma da tarde já. E a que horas o senhor chegou?

Se não me engano era umas quatro da manhã.

E eu posso saber por onde o senhor andou?

Isso é algum interrogatório ou é impressão minha?

Não, de modo algum, é só... – ela pensou numa palavra adequada Curiosidade de mãe.

Caio sorriu e levantou-se após vestir um short de nylon azul escuro com duas listras brancas em cada lateral.

Certo. Então para matar essa sua curiosidade de mãe, eu estive nos mesmos lugares de sempre: boate e... – ele parou de falar ao se lembrar do episódio do motel.

E...?

E barzinhos, nada de mais.

Ahn...

Mas agora quem está curioso sou eu. Por exemplo... A senhora pode dizer por que está com esse rostinho lindo – ele a abraçou por trás Tão preocupado, hã? – beijou-lhe o pescoço três vezes ininterruptas.

Denise riu com a forma carinhosa que o filho lhe abordara e então disse:

É por causa dos quinze anos da Lizzie.

O que tem os quinze anos da Lizzie?

Como assim o que tem os quinze anos da Lizzie? Você se esqueceu que sou eu quem vai fazer o vestido dela?

Ih! É mesmo. Mas... Ainda assim, por que a senhora está tão preocupada? Fazer vestidos de debutantes é uma de suas especialidades e, além disso, o aniversário é só daqui a duas semanas.

Eu sei disso, mas ela não quer que eu faça só o vestido dela, mas também a roupa do príncipe.

Mas quanta frescura! Por que a roupa do príncipe não pode ser comprada? – ele disse isso se afastando da mãe.

Não sei, mas o pior não é isso.

Caio mexia na gaveta de seu guarda-roupa quando falou:

Não?

Não. Você acredita que a Lizzie desenhou o próprio vestido e a roupa do príncipe.

Sério? – ele riu em seguida Que bizarro! O que virá depois? A nova coleção do São Paulo Fashion Week?

Não tenho ideia. E ela foi irredutível, sabia?

Caio já havia separado uma bermuda de tactel vermelha, uma camisa de manga curta branca com um desenho de um dragão vermelho na espalda esquerda e uma cueca preta, e se divertia com toda aquela história.

Denise continuou:

Você precisava ter visto o tom de voz dela quando tentei convencê-la a fazer algumas mudanças nos croquis. Sabe o que ela disse?

Não.

A senhora não está autorizada a mexer em nenhuma parte do meu vestido, nem que seja um centímetro! A mesma ordem fica valendo para a roupa do meu príncipe. Eu quero tudo do jeito que desenhei!

Uau! Ela já está se sentindo a estilista mesmo hein. – Caio riu Ahhhh, esses bebês de gloss e celular, nem bem crescem já acham que são gente. Eu tenho pena desse príncipe dela. Vai ser o Nícolas, não é?

Não, eles terminaram já tem três semanas e...

Caramba! – Caio a interrompeu Essa garota troca de namorado como troca de sapato. – sorriu Quero ver agora quem será o otário que vai ter que dançar com ela.

A Lizzie já escolheu.

Caio voltou a mexer em seu guarda-roupa atrás de uma toalha de banho mais nova quando falou:

Ah, já? E quem será o felizardo? perguntou com sarcasmo.

Bem... Ela escolheu você.

Caio parou no mesmo instante.

O quê?!!

É... Ela disse que o príncipe precisava ser alto, bonito, inteligente e ter vinte e três anos.

Ela não disse isso.

Certo, ela não disse que precisava ter vinte e três anos, essa parte foi por minha conta.

Ô, mãe! Eu não acredito que a senhora me ofereceu para um papel ridículo desses.

Ai, filho, desculpa, mas eu só pensei em você na hora. A descrição que ela deu é a sua cara.

Ah é! Pois eu não quero ver a minha cara nesse dia fatídico.

Então você aceita ser o príncipe da Lizzie?

Ei! Eu não disse isso.

Mas deu a entender. Denise sorriu alegremente Ah, vai, filho, por favor.

Caio refletiu por alguns segundos e então disse:

Sinto que vou me arrepender disso pelo resto de minha vida, mas tudo bem, eu aceito fazer o papel de bobo da corte.

Denise correu em sua direção e o abraçou.

Ah, filho, eu te amo!! Obrigada mesmo por ser tão compreensível com essa sua mãe maluca.

O que fazer se eu também te amo.

Ela o beijou na bochecha esquerda e depois voltou a abraçá-lo.

Ah, você não sabe o quanto é bom ouvir isso. – soltou-o Agora vá tomar seu banho e depois desça para tomar o seu café da tarde, porque a manhã já passou.

Tudo bem, dona Denise. sorriu.

Vou estar te esperando lá embaixo, não demora.

Certo.


***


O sinal ainda estava fechado na rua Bandeirantes e foi através do espelho retrovisor de sua moto que Roger notou a presença de seu fantasma. Atrás de um Corsa Sedam, a motorista do Palio Fire mantinha a atenção concentrada em Roger. Uma senhora ainda atravessava a faixa de pedestres com duas crianças quando o sinal abriu e alguns motoristas apressados não hesitaram em acelerar o carro, quase atingindo a família. Mas Roger não demonstrou pressa, ainda que tivesse, continuando parado a poucos centímetros da faixa, pensando que direção tomar para despistar quem o seguia a cinco quarteirões. A motorista do Corsa Sedam buzinou, irritada com a demora, e foi então que Roger acelerou a moto e virou rapidamente para a esquerda. Acreditava ter feito a manobra rápido o bastante para ganhar um certo tempo com relação ao carro, mas este ainda o seguia a alguns metros atrás e Roger sabia que não conseguiria ir muito longe assim.

Droga! O que será que ela quer dessa vez? – Roger perguntou-se em meio a tensão que passava.

Já avistava um outro semáforo que tinha a luz amarela acesa e acelerou a moto ainda mais para que passasse antes que o sinal fechasse, deixando assim o carro que o seguia parado no sinal. Estava mais perto agora.

Vai, vai! Não fecha agora! Não fecha agora.

Faltava pouco, mas não o suficiente para que conseguisse e todas as atenções da rua se concentraram em Roger quando ele derrapou em cima da faixa de pedestre.

Droga!!!

O Palio parou logo atrás dele e a motorista sorria com certo deboche. Um guarda de trânsito se aproximou de Roger segundos depois.

Senhor, poderia descer da moto, por favor, e conduzir sua moto até o meio-fio

Roger o atendeu e o guarda falou novamente:

Seus documentos.

Ele abria a carteira quando a motorista se aproximou.

Por favor, não o multe, senhor. Ele não teve culpa de nada. – o tom de voz era simpático demais para a ocasião.

O guarda voltou-se em direção a voz e deparou-se com uma travesti de aparentemente trinta anos, morena, cabelos lisos e pretos, bem cheios, olhos azuis e corpo definido, mas não malhado.

A culpa foi toda minha.

E você quem é?

Meu nome é Bruna. E ele é meu namorado.

O guarda não escondeu a surpresa diante da informação obtida.

Na-Namorado?

É. – ele olhou para Roger e sorriu Por que tanto espanto, seu guarda? Isso é tão comum hoje em dia.

É... É sim, mas eu não estou espantado com isso, eu só gostaria de saber a razão desse tumulto causado no trânsito.

Ah, é que nós tivemos uma pequena discussão essa manhã e ele saiu de casa feito um doido, rodei atrás dele na cidade inteira praticamente e nada, até que o encontrei na Bandeirantes. Ele já estava fugindo de novo, quando me viu, e, enfim, viemos parar aqui, mas a culpa não foi dele, eu que às vezes sou egoísta demais para entendê-lo e acabo fazendo besteiras, né, meu amor? – e Bruna apoiou a cabeça no ombro de Roger Mas você me perdoa, não perdoa?

Roger corou, aquela situação seria estúpida demais se não fosse real. O guarda pigarreou no intuito de chamar a atenção e logo disse:

Bom, mas eu não posso deixá-lo ir simplesmente, a atitude dele poderia ter posto a vida de muitas pessoas em risco.

Eu entendo perfeitamente. Mas não o multe, por favor. Eu assumo total responsabilidade por esta bagunça – fez sinal de aspas no ar para evidenciar o termo mal empregado pelo guarda.

Neste caso eu vou precisar dos seus documentos.

Tudo bem. – abriu a carteira com estampa de onça Aqui estão.

O guarda começou a preencher o formulário e assim que terminou entregou a Bruna.

Ah. disse ela, desanimada, assim que conferiu o valor da multa Obrigada. Já estamos liberados agora?

Sim, mas tenham mais atenção ao trânsito.

Pode deixar, seu guarda.

Assim que o guarda se afastou, Roger perguntou, completamente irritado:

O que você quer comigo, Bruna? Viu a situação ridícula que me fez passar? Achei que tivesse sido bem claro quando disse que não tínhamos mais nada para conversar.

Calma, my little baby red-haired. Pelos velhos tempos acho que merecia um pouquinho mais de atenção.

Sem essa, Bruna! Não existe mais velhos tempos.

Mas como você ficou esnobe depois que se mudou para Mitzi hein. Está esquecendo as origens, mon cher?

Roger a segurou com firmeza pelo braço e disse, ainda mais irritado:

Vai embora de uma vez! Eu não faço mais parte do seu exército de homens.

O que é uma pena, confesso. Você é um soldado insubstituível.

Roger a soltou.

Eu vou embora, não tenho mais nada para falar com você. – ele falou, colocando o capacete e montando na moto.

Não pode simplesmente fingir que não me conhece, Roger! Afinal foi graças a mim que você conseguiu chegar até aqui! Portanto, eu exijo que você me respeite e que me escute, até porque o que tenho para te falar pode ser do seu interesse. Sem esquecer que isso seria o mínimo que você poderia fazer depois de ter te livrado dessa multa.

As pessoas que passavam na calçada não foram nada discretas ao pararem para ouvir a discussão dos dois e incomodado com o fato, Roger disse:

Certo. – ele tirou o capacete Mas vamos para a praça, lá podemos conversar melhor.

Eu não sou pomba pra ficar em praça, querido. Se quiser conversar, vai ter que ser no hotel em que estou. Acho que lá sim poderemos ter mais privacidade. – Bruna disse isso dirigindo um olhar reprovador para uma senhora de aproximadamente setenta anos que estava parada com o neto ouvindo a conversa.

Ao perceber que estava sendo inconveniente a senhora começou a se afastar, mas não estava longe o bastante para que Bruna não escutasse a curiosidade do menino de quase cinco anos:

O que é privacidade, vovó?

Bruna sorriu com a situação embaraçosa que causara.

Ok. – Roger concordou após refletir Mas eu já aviso que não tenho muito tempo.

Não deve levar mais do que vinte minutos.

Certo. Eu te sigo.

Não. Iremos no meu carro.

Mas e a minha moto?

Pega depois, tenho certeza de que ninguém tentará roubá-la numa rua movimentada como essa com um guarda de trânsito tão observador quanto aquele. – e olhou para o guarda que a multara a poucos minutos.

Roger a acompanhou com o olhar e percebeu que o guarda tinha a atenção voltada para os dois.

Será que agora podemos ir? ela perguntou.

Sim.

Ótimo.

3 comentários:

  1. Ai que delícia de momento estresse! Bruna, até então uma ex recalcada que não aceita o fim do namoro imposto pelo Roger, tá na cola dele...Hmmm, adorando!!!

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  2. A Bruna tem uma fixação no Roger, ela ainda vai aprontar algumas para o lado dele no decorrer da história. É impossível a Bruna passar e não ser notada.

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  3. Adoro umas rachas assim, que se fazem notadas! Diva!

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