
─ Filho... Acorde, filho.
─ Hum... – Caio mexeu-se um pouco sobre a cama e com um pouco de esforço abriu os olhos, deparando-se com Denise a poucos centímetros de sua cama.
A senhora morena de quarenta e cinco anos, olhos pretos e cabelos pretos e cacheados estava parada à frente da janela do quarto do filho e já ficava impaciente com a demora dele em atendê-la.
─ Vamos, filho, levante! – ela disse isso abrindo a janela do quarto do filho para fazer o ar circular ─ Com essa moleza toda você vai acabar chegando atrasado no colégio.
─ É faculdade, mãe. – ele a corrigiu com certa irritação.
─ Que seja! Agora levante de uma vez, deixe de preguiça vai.
─ Ah, mãe... – ele resmungou com profunda tristeza ─ A senhora esqueceu que as minhas aulas serão no turno da noite durante as três primeiras semanas desse semestre?
Denise levou a mão à testa ao se lembrar.
─ Ai, meu filho, desculpa a mamãe. Eu e essa minha cabeça de vento! Por favor, me desculpe. Eu esqueci de verdade.
─ Tudo bem, mãe. – ele ainda estava bastante sonolento ─ Acho que já estava na hora de levantar mesmo. – Caio sentou-se na cama ─ Que horas são agora?
─ Uma da tarde já. E a que horas o senhor chegou?
─ Se não me engano era umas quatro da manhã.
─ E eu posso saber por onde o senhor andou?
─ Isso é algum interrogatório ou é impressão minha?
─ Não, de modo algum, é só... – ela pensou numa palavra adequada ─ Curiosidade de mãe.
Caio sorriu e levantou-se após vestir um short de nylon azul escuro com duas listras brancas em cada lateral.
─ Certo. Então para matar essa sua curiosidade de mãe, eu estive nos mesmos lugares de sempre: boate e... – ele parou de falar ao se lembrar do episódio do motel.
─ E...?
─ E barzinhos, nada de mais.
─ Ahn...
─ Mas agora quem está curioso sou eu. Por exemplo... A senhora pode dizer por que está com esse rostinho lindo – ele a abraçou por trás ─ Tão preocupado, hã? – beijou-lhe o pescoço três vezes ininterruptas.
Denise riu com a forma carinhosa que o filho lhe abordara e então disse:
─ É por causa dos quinze anos da Lizzie.
─ O que tem os quinze anos da Lizzie?
─ Como assim “o que tem os quinze anos da Lizzie”? Você se esqueceu que sou eu quem vai fazer o vestido dela?
─ Ih! É mesmo. Mas... Ainda assim, por que a senhora está tão preocupada? Fazer vestidos de debutantes é uma de suas especialidades e, além disso, o aniversário é só daqui a duas semanas.
─ Eu sei disso, mas ela não quer que eu faça só o vestido dela, mas também a roupa do príncipe.
─ Mas quanta frescura! Por que a roupa do príncipe não pode ser comprada? – ele disse isso se afastando da mãe.
─ Não sei, mas o pior não é isso.
Caio mexia na gaveta de seu guarda-roupa quando falou:
─ Não?
─ Não. Você acredita que a Lizzie desenhou o próprio vestido e a roupa do príncipe.
─ Sério? – ele riu em seguida ─ Que bizarro! O que virá depois? A nova coleção do São Paulo Fashion Week?
─ Não tenho ideia. E ela foi irredutível, sabia?
Caio já havia separado uma bermuda de tactel vermelha, uma camisa de manga curta branca com um desenho de um dragão vermelho na espalda esquerda e uma cueca preta, e se divertia com toda aquela história.
Denise continuou:
─ Você precisava ter visto o tom de voz dela quando tentei convencê-la a fazer algumas mudanças nos croquis. Sabe o que ela disse?
─ Não.
─ A senhora não está autorizada a mexer em nenhuma parte do meu vestido, nem que seja um centímetro! A mesma ordem fica valendo para a roupa do meu príncipe. Eu quero tudo do jeito que desenhei!
─ Uau! Ela já está se sentindo a estilista mesmo hein. – Caio riu ─ Ahhhh, esses bebês de gloss e celular, nem bem crescem já acham que são gente. Eu tenho pena desse príncipe dela. Vai ser o Nícolas, não é?
─ Não, eles terminaram já tem três semanas e...
─ Caramba! – Caio a interrompeu ─ Essa garota troca de namorado como troca de sapato. – sorriu ─ Quero ver agora quem será o otário que vai ter que dançar com ela.
─ A Lizzie já escolheu.
Caio voltou a mexer em seu guarda-roupa atrás de uma toalha de banho mais nova quando falou:
─ Ah, já? E quem será o felizardo? – perguntou com sarcasmo.
─ Bem... Ela escolheu você.
Caio parou no mesmo instante.
─ O quê?!!
─ É... Ela disse que o príncipe precisava ser alto, bonito, inteligente e ter vinte e três anos.
─ Ela não disse isso.
─ Certo, ela não disse que precisava ter vinte e três anos, essa parte foi por minha conta.
─ Ô, mãe! Eu não acredito que a senhora me ofereceu para um papel ridículo desses.
─ Ai, filho, desculpa, mas eu só pensei em você na hora. A descrição que ela deu é a sua cara.
─ Ah é! Pois eu não quero ver a minha cara nesse dia fatídico.
─ Então você aceita ser o príncipe da Lizzie?
─ Ei! Eu não disse isso.
─ Mas deu a entender. – Denise sorriu alegremente ─ Ah, vai, filho, por favor.
Caio refletiu por alguns segundos e então disse:
─ Sinto que vou me arrepender disso pelo resto de minha vida, mas tudo bem, eu aceito fazer o papel de bobo da corte.
Denise correu em sua direção e o abraçou.
─ Ah, filho, eu te amo!! Obrigada mesmo por ser tão compreensível com essa sua mãe maluca.
─ O que fazer se eu também te amo.
Ela o beijou na bochecha esquerda e depois voltou a abraçá-lo.
─ Ah, você não sabe o quanto é bom ouvir isso. – soltou-o ─ Agora vá tomar seu banho e depois desça para tomar o seu café da tarde, porque a manhã já passou.
─ Tudo bem, dona Denise. – sorriu.
─ Vou estar te esperando lá embaixo, não demora.
─ Certo.
***
O sinal ainda estava fechado na rua Bandeirantes e foi através do espelho retrovisor de sua moto que Roger notou a presença de seu fantasma. Atrás de um Corsa Sedam, a motorista do Palio Fire mantinha a atenção concentrada em Roger. Uma senhora ainda atravessava a faixa de pedestres com duas crianças quando o sinal abriu e alguns motoristas apressados não hesitaram em acelerar o carro, quase atingindo a família. Mas Roger não demonstrou pressa, ainda que tivesse, continuando parado a poucos centímetros da faixa, pensando que direção tomar para despistar quem o seguia a cinco quarteirões. A motorista do Corsa Sedam buzinou, irritada com a demora, e foi então que Roger acelerou a moto e virou rapidamente para a esquerda. Acreditava ter feito a manobra rápido o bastante para ganhar um certo tempo com relação ao carro, mas este ainda o seguia a alguns metros atrás e Roger sabia que não conseguiria ir muito longe assim.
─ Droga! O que será que ela quer dessa vez? – Roger perguntou-se em meio a tensão que passava.
Já avistava um outro semáforo que tinha a luz amarela acesa e acelerou a moto ainda mais para que passasse antes que o sinal fechasse, deixando assim o carro que o seguia parado no sinal. Estava mais perto agora.
─ Vai, vai! Não fecha agora! Não fecha agora.
Faltava pouco, mas não o suficiente para que conseguisse e todas as atenções da rua se concentraram em Roger quando ele derrapou em cima da faixa de pedestre.
─ Droga!!!
O Palio parou logo atrás dele e a motorista sorria com certo deboche. Um guarda de trânsito se aproximou de Roger segundos depois.
─ Senhor, poderia descer da moto, por favor, e conduzir sua moto até o meio-fio
Roger o atendeu e o guarda falou novamente:
─ Seus documentos.
Ele abria a carteira quando a motorista se aproximou.
─ Por favor, não o multe, senhor. Ele não teve culpa de nada. – o tom de voz era simpático demais para a ocasião.
O guarda voltou-se em direção a voz e deparou-se com uma travesti de aparentemente trinta anos, morena, cabelos lisos e pretos, bem cheios, olhos azuis e corpo definido, mas não malhado.
─ A culpa foi toda minha.
─ E você quem é?
─ Meu nome é Bruna. E ele é meu namorado.
O guarda não escondeu a surpresa diante da informação obtida.
─ Na-Namorado?
─ É. – ele olhou para Roger e sorriu ─ Por que tanto espanto, seu guarda? Isso é tão comum hoje em dia.
─ É... É sim, mas eu não estou espantado com isso, eu só gostaria de saber a razão desse tumulto causado no trânsito.
─ Ah, é que nós tivemos uma pequena discussão essa manhã e ele saiu de casa feito um doido, rodei atrás dele na cidade inteira praticamente e nada, até que o encontrei na Bandeirantes. Ele já estava fugindo de novo, quando me viu, e, enfim, viemos parar aqui, mas a culpa não foi dele, eu que às vezes sou egoísta demais para entendê-lo e acabo fazendo besteiras, né, meu amor? – e Bruna apoiou a cabeça no ombro de Roger ─ Mas você me perdoa, não perdoa?
Roger corou, aquela situação seria estúpida demais se não fosse real. O guarda pigarreou no intuito de chamar a atenção e logo disse:
─ Bom, mas eu não posso deixá-lo ir simplesmente, a atitude dele poderia ter posto a vida de muitas pessoas em risco.
─ Eu entendo perfeitamente. Mas não o multe, por favor. Eu assumo total responsabilidade por esta bagunça – fez sinal de aspas no ar para evidenciar o termo mal empregado pelo guarda.
─ Neste caso eu vou precisar dos seus documentos.
─ Tudo bem. – abriu a carteira com estampa de onça ─ Aqui estão.
O guarda começou a preencher o formulário e assim que terminou entregou a Bruna.
─ Ah. – disse ela, desanimada, assim que conferiu o valor da multa ─ Obrigada. Já estamos liberados agora?
─ Sim, mas tenham mais atenção ao trânsito.
─ Pode deixar, seu guarda.
Assim que o guarda se afastou, Roger perguntou, completamente irritado:
─ O que você quer comigo, Bruna? Viu a situação ridícula que me fez passar? Achei que tivesse sido bem claro quando disse que não tínhamos mais nada para conversar.
─ Calma, my little baby red-haired. Pelos velhos tempos acho que merecia um pouquinho mais de atenção.
─ Sem essa, Bruna! Não existe mais velhos tempos.
─ Mas como você ficou esnobe depois que se mudou para Mitzi hein. Está esquecendo as origens, mon cher?
Roger a segurou com firmeza pelo braço e disse, ainda mais irritado:
─ Vai embora de uma vez! Eu não faço mais parte do seu exército de homens.
─ O que é uma pena, confesso. Você é um soldado insubstituível.
Roger a soltou.
─ Eu vou embora, não tenho mais nada para falar com você. – ele falou, colocando o capacete e montando na moto.
─ Não pode simplesmente fingir que não me conhece, Roger! Afinal foi graças a mim que você conseguiu chegar até aqui! Portanto, eu exijo que você me respeite e que me escute, até porque o que tenho para te falar pode ser do seu interesse. Sem esquecer que isso seria o mínimo que você poderia fazer depois de ter te livrado dessa multa.
As pessoas que passavam na calçada não foram nada discretas ao pararem para ouvir a discussão dos dois e incomodado com o fato, Roger disse:
─ Certo. – ele tirou o capacete ─ Mas vamos para a praça, lá podemos conversar melhor.
─ Eu não sou pomba pra ficar em praça, querido. Se quiser conversar, vai ter que ser no hotel em que estou. Acho que lá sim poderemos ter mais privacidade. – Bruna disse isso dirigindo um olhar reprovador para uma senhora de aproximadamente setenta anos que estava parada com o neto ouvindo a conversa.
Ao perceber que estava sendo inconveniente a senhora começou a se afastar, mas não estava longe o bastante para que Bruna não escutasse a curiosidade do menino de quase cinco anos:
─ O que é privacidade, vovó?
Bruna sorriu com a situação embaraçosa que causara.
─ Ok. – Roger concordou após refletir ─ Mas eu já aviso que não tenho muito tempo.
─ Não deve levar mais do que vinte minutos.
─ Certo. Eu te sigo.
─ Não. Iremos no meu carro.
─ Mas e a minha moto?
─ Pega depois, tenho certeza de que ninguém tentará roubá-la numa rua movimentada como essa com um guarda de trânsito tão observador quanto aquele. – e olhou para o guarda que a multara a poucos minutos.
Roger a acompanhou com o olhar e percebeu que o guarda tinha a atenção voltada para os dois.
─ Será que agora podemos ir? – ela perguntou.
─ Sim.
─ Ótimo.
Ai que delícia de momento estresse! Bruna, até então uma ex recalcada que não aceita o fim do namoro imposto pelo Roger, tá na cola dele...Hmmm, adorando!!!
ResponderExcluirA Bruna tem uma fixação no Roger, ela ainda vai aprontar algumas para o lado dele no decorrer da história. É impossível a Bruna passar e não ser notada.
ResponderExcluirAdoro umas rachas assim, que se fazem notadas! Diva!
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